sábado, 20 de março de 2021

TRISTE FESTA DE SÃO JOSÉ

 

Por Junior Almeida

Corria março de 1958, e o município de Capoeiras festejava seu padroeiro São José. Naquele ano a festa seria especial, pois eram as primeiras homenagens ao padrasto de Jesus na chamada igreja nova. A imponente matriz tinha ficado pronta havia menos de um ano. Obra do abnegado Padre João Rodrigues e principalmente do povo da então vila de São Bento do Una, que teve à frente das obras o potentado Heronides Borrego. A via principal do lugarejo, chamada á época Praça Agamenon Magalhães, “derramava” de gente nos dois dias de festa, 18 e 19 do mês. 

 

As bandas de música no coreto da praça, bodegas e mercearias abertas de dia à noite, barracas de comidas, bebidas e prendas, parques de diversões, com suas canoas e carrosséis, faziam a alegria de crianças, jovens e adultos. Um dos brinquedos mais disputados era o carrossel de Pedro Preto. O “motor de feijão” do carrossel, como diziam alguns, além de ser movido à comida, vez por outra também se abastecia de uma boa lapada de cana. No intervalo das rodadas do brinquedo, os cabras que empurravam o carrossel corriam pra uma barraquinha próxima, tomavam rapidamente uma dose de cachaça, engoliam um tira gosto, enxugavam a boca com as costas das mãos e voltavam logo pro serviço, que não podia parar.

 

Nesse ano muita gente de longe compareceu à festa, principalmente para conhecer a tão falada igreja nova. Dentre essas pessoas estava Valdemar Mendes, morador de um sítio na divisa de Capoeiras/São Bento com Pesqueira, sujeito bem quisto, bom de amizades, que tinha casado havia pouco tempo com Edleuza, filha de Neto Cavalcante, morador da localidade Imbé.  O casal era só felicidade, mais ainda por que ela estava grávida de quatro meses. 

 

O ponto de arranchamento das pessoas da região que Valdemar Mendes morava era o hotel de Santana Rafael, mãe de Totonho da oficina, que ficava onde atualmente é o início da Rua 1o de Abril. Não existia a via que vai da atual Praça João Borrego para os lados da prefeitura, Banco do Brasil e Correio. Todas as pessoas que foram pra festa, moradores dos sítios Bom Destino, Cantinho, Ameixas, Imbé, Salobro e outras localidades próximas estavam no hotel de Santana. Saiam para andar na rua, beber, jogar nas roletas e bozós, “correr” nos brinquedos, mas voltavam ao ponto de apoio. Foi assim a noite toda.

 

Já tinha amanhecido a quinta feira dia 20 quando Valdemar, que tinha passado a noite toda bebendo, antes de ir embora pra casa, resolveu tomar uma última cerveja na mercearia/padaria de Batista, um pouco mais pra baixo do hotel de Santana Rafael. O comércio ficava localizado onde atualmente é o Mercado Soares, mas que já foi o Cintra, a pizzaria de Salomão, as padarias de Aécio, Zé Luiz Cabral e também de Valdecir Cadete. Chegando ao estabelecimento, Valdemar ria, falava alto e gesticulava muito, certamente sob efeito do álcool. Contrastando com alegria fácil do agricultor, estava o comerciante Batista Santana, que tinha passado duas noites inteiras “no batente”, e supostamente gostaria de àquela hora já estar dormindo. Estava de cara amarrada, parecia não estar a fim de aguentar conversa mole de bêbado, mas mesmo assim despachou uma cerveja ao alegre freguês.

 

Valdemar abraçava um e outro, convidando todos a beber com ele. Na parte de dentro do balcão o bodegueiro se impacientava vendo aquilo. A esposa do comerciante, já conhecendo bem o humor do marido, ou a falta dele, saiu para parte de trás do comércio, onde suas três filhas pequenas dormiam. O casal de comerciantes passava o dia na padaria, mas morava na ladeira da antiga feira de gado, Rua Januário Guimarães, na casa que depois foi comprada por Dona Dorinha, mãe do prefeito de Capoeiras por três vezes, Zezinho Borrego. 

 

Ao terminar a cerveja, Valdemar abriu os braços, segurando o copo em uma mão e a garrafa em outra. Aproximou-se do comerciante e bateu com os objetos na madeira do balcão pedindo bebida.

 

       Bote cerveja que a farra está começando agora! Disse o alegre sujeito.

 

Sem a menor paciência, de onde estava o comerciante sacou um revólver e atirou em Valdemar. Esse, mesmo ferido, antes de cair, também puxou a sua arma e atirou em Batista. Em pouco tempo os dois estavam mortos. Um na parte de dentro do balcão e outro no salão da padaria. Amigos de ambos e demais pessoas que viam a cena, mal acreditavam no que tinha acabado de acontecer. Estavam boquiabertos com duas mortes tão banais. 

 

Companheiros de Valdemar retiraram seu corpo e levaram até à casa de Pedro Preto, que ficava em frente à padaria de Batista, até que fosse levado para ser velado no sítio e depois sepultado em Salobro. Sua mulher Edleuza estava desolada. Chorava em desespero. Sabia que a partir daquele triste momento ela estaria só.  Sua cria se nascesse, seria criada sem pai. Por muitos e muitos anos esse crime foi falado em toda região. Ninguém que conhecia as vítimas conseguia entender tamanha banalidade para se matar.  

 

*Foto de uma Festa de São José em Capoeiras, não  exatamente do ano do fato narrado.     

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