Por Junior Almeida
Os
frades italianos da Ordem dos Capuchinhos, Fernando e Damião se celebrizaram em
terras nordestinas, principalmente por conta das famosas Santas Missões. Só em
Capoeiras foram vinte e duas, sendo a primeira em 1952. Quem conheceu os dois
religiosos de perto, diz que o primeiro era explosivo, apoquentado, impaciente,
muitas vezes, até, autoritário, enquanto o mais velho dos dois, o filho mais
ilustre de Bozzano, na Itália, era a serenidade em pessoa, não sendo atoa que
em vida já era considerado santo e em dias atuais é “venerável aos altares”,
faltando pouca coisa para ser declarado Santo, pela Igreja Católica.
Sobre
Frei Damião existem inúmeras histórias, causos e lendas, inclusive nas terras
de Capoeiras, porém, sobre Frei Fernando Rossi, os relatos são mais escassos,
mas, logicamente, não deixam de existir. Esses dias mesmo, eu fiquei sabendo de
umas passagens bem interessantes, protagonizados por Fernando Rossi, aqui na
“terrinha”, que mereceram o meu registro. Foi assim:
Perto
de completar três décadas de suas pregações anuais em terras capoeirenses, nas
chamadas Santas Missões, os dois freis mais uma vez estavam em Capoeiras
pregando. Corria o finalzinho da década de 1970, quando Frei Damião e Frei
Fernando e mais um monte de romeiros ajudavam a aumentar a pequena população da
cidade. Logicamente que Pio Giannotti era o mais procurado dos frades pelo
grande número de romeiros. Todo mundo queria se confessar, falar, ou mesmo
tocar Frei Damião. A rotina do religioso era estafante, mas ele nunca se entregou,
mesmo já com idade bem avançada e saúde debilitada.
Pois
bem. Em um dos dias daquele ano, Frei Damião tinha começado a confessar na
Igreja Matriz de São José, antes do dia clarear, entrou pela manhã e a tarde e
foi para noite. Mal teve tempo de comer, pois se entregava de corpo e alma ao
serviço do Senhor. Como não faltavam fiéis a fim de ouvir a Palavra de Deus e
se confessar, Frei Fernando, mais novo que seu colega, e mais descansado,
assumiu a missão depois que ele se retirou para jantar.
O
Capuchinho Fernando pregava numa matriz lotada, inclusive com orações de cura
dos enfermos e libertação, o que já tinha sido anunciado anteriormente. Doentes
de todos os tipos, aleijados e cegos foram ao templo em busca da cura ou mesmo
do alívio de seus males. Dentre esses, estava um velho agricultor, que havia
muito tempo sofria com sérios problemas na coluna. O homem chegou à igreja um
pouco atrasado, já com a pregação do frei em andamento. O coitado era tão
curvado, que andava sempre de cabeça abaixada, olhando para o chão.
Da
frente do altar, local onde estava, Frei Fernando viu quando o homem entrou.
Apoiado em duas muletas e com mais alguns parentes o segurando, o aleijado
caminhava lentamente pela nave da matriz. Sua cara era de dor. Pela situação
dele, o povo abriu caminho e o deixou ir para perto do religioso. O frade fez o
sinal da cruz em sua cabeça, rezou silenciosamente fazendo de novo o sinal da
cruz no aleijado, e perguntou aos seus parentes:
-Tem quanto tempo ele está
assim?
- Há pelos menos trinta
anos, Frei. Respondeu uma mulher que o segurava.
-TRINTA ANOS?! E vocês
querem que eu o cure em DOIS MINUTOS? Estão pensando que eu sou Jesus, é?!
Bradou o impaciente frei.
Passados
os dias das Santas Missões em Capoeiras, era chegado o momento dos religiosos
irem embora. Dessa vez o destino seria Recife, aonde teriam um importante
compromisso no Convento de São Félix Cantalice, local que atualmente repousa o
corpo do "quase santo Frei Damião". Na despedida dos frades era bem comum de se
vê o povo dentro e fora da igreja chorando, triste, como se tivesse morrido um
parente seu. Os frades consolavam os fiéis, dizendo que no próximo ano
voltariam à cidade.
Nessa
época os freis andavam numa caminhoneta Chevrolet modelo C 10, de cor amarela,
quase nova, com capota alta, de armação de madeira e lona branca. Esse veículo
ao sair da cidade estava pesado de tantas ofertas doadas pelo povo. Sacos de
feijão, jerimuns, melancias, galinhas, perus, “cozinhados” de fava e feijão de
corda verde e até bodes iam na caçamba da picape. Tudo seria levado para o
convento. Era o povo arrumando a carrada e chegando gente com mais coisas. Era
tanta mercadoria que nem deu pra levar tudo e, ainda mais, atrasou o horário de
saída dos religiosos.
Frei
Fernando era o motorista e Frei Damião viajou ao seu lado, na boleia da C 10.
Pelo que se pode notar, o chofer estava de mau humor, pois pelo que dizia, iria
se atrasar em seu compromisso na capital. Saiu de Capoeiras de cara feia e
cantando pneus.
Algumas
pessoas perceberam. A PE 193, no trecho da cidade à Vila Araçá, bem como a BR
424, que segue até Garanhuns era no barro e, por conta das recentes chuvas
estava com mais buracos do que uma tábua de pirulitos, impedindo de o veículo
andar mais rápido, o que fez acabar o restinho da paciência de Frei Fernando.
Pode-se
dizer que Frei Fernando Rossi estava puto da vida. Mesmo já na estrada que
margeia Garanhuns, asfaltada, o frade não desmanchou a cara de poucos amigos.
Na saída para o Recife, onde atualmente está construído o portal de entrada da
Suíça Pernambucana, ficava o posto da Polícia Rodoviária Federal, que
constantemente paravam os veículos que saíam da cidade.
Com
a C 10 amarela não foi diferente, ou melhor: quase. Os guardas fiscalizavam
alguns carros, já parados no acostamento, quando a picape com os dois
religiosos se aproximava. De longe um dos agentes gesticulou para que Frei
Fernando parasse, ordem ignorada pelo frade, que ao passar pela blitz, acelerou
foi mais. Não deu outra. Os homens da lei botaram a viatura atrás dos supostos
fujões. Até a sirene ligaram. Já bem na frente, perto da entrada do Distrito de
São Pedro, Frei Fernando parou. Se ele estava de mau humor, com os agentes da
PRF não era diferente. Cheio de raiva e ironia, um deles se dirigiu aos
capuchinhos, dizendo:
-E esse carro não tem “frei”
não?
Frei
Fernando percebendo o erro ou ironia do guarda, ao se referir aos FREIOS do
carro, retrucou na mesma moeda:
-Tem logo quatro. Frei
Fernando, Frei Damião, “frei” de pé e “frei” de mão!