Por Junior Almeida
É
muito comum na justiça brasileira, alguns juízes acumular funções em seus
fóruns. Eles se desdobram para atender as varas de família, eleitoral, criminal
e cível. Capoeiras, como a imensa maioria das cidades do interior do país, isso
é rotina, desde que foi criada a sua comarca. Adalberto Bezerra de Melo, antigo
oficial de cartório da cidade, dá o seu nome ao fórum local, onde funcionam
além das varas de justiça, promotoria e um cartório.
Iniciado
pelo então prefeito Manoel Reino, o fórum local só foi inaugurado na gestão de
Carlos Batata em 18 de agosto de 1989. Nos primeiros dias de funcionamento era
muito comum de pessoas irem visitar as dependências do novo órgão, apenas para
ver a novidade. Nos primeiros julgamentos que aconteceram em Capoeiras, as
bancas da sala de júri ficavam lotadas de curiosos assistindo os debates de
advogados e promotores. Tudo era novo. Em rodinhas de bate papo, se discutia
dentre outras coisas, as penas aplicadas a quem tinha caído no banco dos réus.
Para
a administração da época, ter uma comarca no município era motivo de orgulho,
mais ainda tendo um juiz morando na cidade. O fórum de Capoeiras, era para o
executivo local a confirmação que o progresso estava chegando em nossa terra.
Para as pessoas que deixariam de resolver seus problemas com a justiça em
cidades mais distantes como São Bento do Una, Garanhuns e outras, também a
comarca era uma conquista importante. Só que para a maioria das pessoas, que
viviam de maneira simples na roça, o fórum era um prédio como qualquer outro.
Aquela
construção, aquela festa pomposa de inauguração, aquela badalação toda com os
julgamentos, não iria mudar em nada a vida daquelas pessoas. Entre os que
pensavam assim, existia num sítio, para os lados da Vila Riacho do Mel, um
agricultor que vivia da roça e de uns “bichinhos” que criava. De oito em oito
dias vinha na feira vender seu queijo e fazer a feira de casa. Vez por outra ia
à Garanhuns, comprar alguma coisa que não tivesse em Capoeiras. Pai de três
filhas moças, esse roceiro vivia sossegado até o dia em que um rapaz filho de
um compadre e vizinho de suas terras veio embora de São Paulo para passar uns
tempos com o pai. O moço de 24 anos vivia daqui para o Sudeste, e nessa vinda,
começou a namorar com a filha mais velha do agricultor, que na época tinha 19
anos.
No
começo tudo bem, pois os vizinhos eram amigos, e faziam muito gosto nesse
namoro, mas com o passar do tempo, o pai da moça começou a desconfiar que o
namoro estava “avançado” demais. Conversou com a esposa, e foram às perguntas a
filha. No início ela negou, mas diante da forte pressão, confessou ter “se
perdido” com o namorado. Ele, o pai, entrou em desespero, pois achava que
aquilo seria uma desonra para ele e sua família. A filha chorando com medo do
pai, disse que não queria, que praticamente tinha sido obrigada a transar com o
namorado.
Entonce foi istrupo. Tá
vendo muié? Aquele cabra safado istuprou a nossa fia. Pegou ela a pulso! Disse o aflito agricultor, a ouvir as
palavras de sua filha.
Ao
saber da notícia da filha desvirginada, o agricultor resolveu ir na casa do
compadre e vizinho tomar satisfações com o responsável pelo fato. Chegando lá
na boquinha da noite, o rapaz não estava em casa, e o roceiro resolveu relatar
o ocorrido ao pai dele.
Compadre fulano, seu fio
comeu minha fia. O que é que nós vamos fazer com eles?
Quis saber o Homem.
A
revelação pareceu não ter surpreendido o pai do rapaz, que como se esquivasse
da situação, foi logo dizendo que os dois eram maiores de idade, que sabiam o
que estavam fazendo, e que o seu filho tinha sido chamado para um novo emprego
em São Paulo, que tinha viajado naquela manhã para a Capital Bandeirante. Com a
conversa do compadre, o roceiro se aperreou mais ainda, e resolveu que aquilo não
poderia ficar assim. Saiu da casa do vizinho muito transtornado, e passou a
noite em claro, chegando a chorar pela filha não ser mais virgem.
De
manhã cedinho, se banhou e veio à cidade procurar resolver a questão na
justiça. Primeiro foi na delegacia, ao lado do mercado de cereais. Como estava
fechada, ele resolveu ir logo ao fórum dar queixa ao juiz. Atendido pelos
funcionários do fórum, ele disse do que se tratava, e algum tempo depois falou
com o magistrado. Ao juiz o roceiro disse que sua filha tinha sido seduzida,
praticamente pega à força, que queria que o rapaz fosse acusado de estupro.
O
doutor juiz explicou para o agricultor, que teria que ouvir a outra parte, que
ele juntasse as suas testemunhas do fato, que em duas semanas ouviria todos e
decidiria o que seria feito. Ele voltou
pra casa, e nessas duas semanas não falou com seu vizinho. O clima era hostil
entre os agricultores. Sua filha só chorava. Mais de saudade do namorado, e a
frustração de não tê-lo como marido, do que com a perda da virgindade. No dia
marcado as duas famílias e mais alguns vizinhos estavam no fórum, menos o rapaz
que viajara pra São Paulo. Ao todo umas vinte pessoas estavam no corredor do
fórum para resolver a questão. Ninguém se encarava. Na hora de entrar na sala
do juiz, apenas os dois casais, pais dos namorados. A moça desvirginada, as
duas irmãs dela, três tias e mais alguns vizinhos, bem como uma boa parte da
família do rapaz ficaram de fora, se fosse necessário entrariam aos poucos.
O
magistrado mandou primeiro os pais da moça falar, e o pai insistiu na tese do
estupro, a mãe amenizou, e deu a entender que a filha fora seduzida. O juiz
ouviu, e em seguida mandou o outro casal falar. Esses alegaram a maior idade do
filho e também da mulher filha do casal em frente. Ao ouvir a versão dos
compadres, o pai da moça exaltou-se dizendo ser mentira o que o compadre
falava. Um bate boca iniciou-se, só terminando com a fala firme do juiz, que
ameaçou prender todo mundo. Depois dos ânimos acalmados, o doutor quis adiantar
a audiência, e falou:
Mande entrar a testemunha
arrolada.
O
pai da noiva parecia espantado com as palavras do juiz, mas, não disse nada. A
secretária do magistrado foi à antessala, e chamou pela testemunha. Uma jovem
que era vizinha dos dois casais que ali estavam, e era também prima da moça
desvirginada. Ela foi conduzida à mesa para prestar o seu depoimento. Vendo a
sobrinha na sala o pai “ofendido” deu um pulo da cadeira que estava sentado, e
muito agitado falou:
Dotô, tá errado! A rolada
não foi nessa aí não. Essa aí é minha sobrinha, a rolada foi na minha fia, que
o fio desse aí deu!
*Texto inicialmente publicado no livro
CAPOEIRAS; PESSOAS, HISTÓRIAS E CAUSOS, de minha autoria.
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