Por Junior Almeida
Se
política hoje em dia é coisa acirrada, quase uma guerra, imagina antigamente,
nos tempos dos “votos de cabresto”. Nos dias de hoje vemos pessoas se
intrigarem de outras por política, deixar de comprar em determinado comércio ou
mesmo partir para as vias de fato, tudo por conta que vota em um candidato
diferente do outro. Para o eleitor, o candidato adversário é ladrão, fresco e
corno, e quanto mais chance ele tem de ganhar, aí é tudo isso várias vezes.
Particularmente acho de certa forma engraçado o fanatismo e as arengas de
alguns, mas dentro do limite da civilidade, se é que existe isso em política.
Até
1964 Capoeiras pertencia a São Bento do Una, e todas as decisões que afetavam a
vila, vinha da sede distante trinta quilômetros. Nomeações para os mais diversos
cargos eram feitos pelos que estavam no poder, no caso os “Valença” que
consideravam Capoeiras uma vila rebelde. Esse desalinhamento com a vontade dos
mandatários de São Bento se dava pela força de Heronides Borrego, herdeiro
político do seu pai, o Coronel João Borrego, então chefe da mais importante
família da época. Quem sempre tinha mais voto na vila era quem “Seu” João e
depois Heronides quisessem, e isso incomodava. Dispostos a mudar isso, três
jovens idealistas da família Valença resolveram tomar a frente da política no
distrito: Ilo, Clávio e Ênio.
Depois
de combinar tudo com os parentes mais velhos, em um sábado, ainda amanhecendo
resolveram ir para Capoeiras pedir votos para os seus candidatos. Quando ainda
estavam para visitara primeira casa, por volta das sete horas, receberam um
recado que “Seu” Heronides estava chamando pra falar com eles. O trio se olhou,
como se esperassem uma explicação para tal recado. Não entendiam como tinham
acabado de chegar na vila, e o mandatário local já sabia das presenças deles.
Um pouco receosos de não saber o que os aguardavam, de pronto foram com o
portador do recado para a casa do chefe político local.
No
percurso um dos jovens cochichou que eles estavam desarmados, o que gerou certa
tensão. Pensando melhor, não era para tanto um pensamento desses. Ao chegar à
casa se “Seu” Heronides, todo clima tenso desapareceu, pois ele já aguardava os
rapazes com um largo sorriso na frente da sua residência. Cumprimentou um por
um, e os convidou para entrar. Na sala de copa, uma farta mesa de café da manhã
estava posta. Cuscuz, charque, carne de sol, café, leite, pães, bolachas, geleias,
mungunzá, queijo de coalho e de manteiga e mais de cinco tipos de sucos, além
de frutas. O trio se olhou sem entender nada.
Sentem aí meninos. Vamos
comer. Não fica bem sair por aí atrás de votos de barriga vazia.
Disse o anfitrião.
Meio
constrangidos o trio pensou em recusar, mas como ainda não tinham comido nada,
os rapazes aceitaram o convite. Durante o café da manhã conversaram muito, com
os três revelando suas ideias políticas e pessoais para as melhoras do planeta,
a começar por sua terra. O velho político, com a experiência dos anos, ouvia
tudo atentamente, e incentivava os rapazes a falar, sempre elogiando as suas ideias.
Ao terminar o café, e alguns cigarros, continuaram a conversa na sala de
entrada da casa. Pareciam que todos eram amigos de longa data, tal forma a
conversa fluía.
Seu
Heronides sempre fumando, acendia um cigarro na brasa do outro que estava
acabando, era acompanhado do jovem Ênio, que também fumava muito. Sem notar o
tempo passar, já passava um pouco de onze da manhã, quando uma empregada trouxe
numa bandeja inox quatro copos com caldinho de feijoada, dois limões cortados
ao meio, formando quatro bandinhas e mais uma garra de vidro com pimenta
caseira. A moça serviu um a um os rapazes, que pegavam os copos com o caldo
bastante quente e cheiravam, enchendo a boca d’água. Heronides Borrego percebeu
que os rapazes gostaram.
Uma delícia dessas só presta
com o que? Quis saber o dono da casa.
Um
dos jovens de pronto falou que um caldo daquele só combinava com uma caninha.
Era o que “Seu” Heronides queria ouvir. Levantou-se e foi em um dos quartos da
casa, voltando debaixo do braço com um pequeno barril de madeira com uma torneira
de metal, e segurando quatro copinhos de vidro na mão. Ele falou para os
rapazes que era cachaça com mel de uruçu, ou cachimbo, como também era chamada
aquela mistura. A bebida que já estava e guardada a um bom tempo, só iria ser
aberta agora para celebrar os novos amigos.
Os
jovens se sentiram lisonjeados. Apressaram-se em pegar os copos, encher de
cachaça e tomar, com o caldinho como tira gosto. A caninha estava tão curtida
que parecia que tinha só o mel. Heronides tomou uma dose, pigarreou e tomou o caldinho
em seguida. O resto do pequeno barril
ficou por conta dos três jovens. Perto de acabar a bebida, o dono da casa
levantou e trouxe mais, dessa vez numa garrafa de vidro transparente tampada
com uma cortiça. Os rapazes que já estavam se sentindo em casa tomaram mais
meia garrafa, quando Dona Nanú, esposa de Heronides veio avisar que o almoço
estava servido.
Os
rapazes se levantaram sem cerimônias, pegaram a bebida e os copos e foram para
copa para comer novamente. Novamente na mesa, além de uma saborosa feijoada os
rapazes tinham ao seu dispor galinha caipira, porco e bode guisado e assado,
farofa d’água e xerém. Os três agora só queriam entre um cigarro e outro, saber
de beber e falar dos seus planos em Capoeiras, usufruindo do banquete apenas
como tira gosto. Já passava de quatro da tarde, e já tinham tomado mais três
garrafas da cachaça com mel além do barril, quando os três rapazes da família
Valença bastante alterados, resolveram voltar para São Bento do Uma, sem fazer
uma única visita e sem pedir um voto sequer.
Seu
Heronides com um riso irônico no rosto agradeceu pela visita dos jovens, mandou
lembrança aos seus pais e se despediu. Poucos dias depois a eleição confirmara
o que sempre acontecia: Em Capoeiras tinha voto quem a família Borrego queria.
Os três jovens questionados por pessoas em São Bento, o que poderia ter
acontecido em Capoeiras, já que os mesmos foram designados a mudar isso, ou
pelo menos amenizar, simplesmente desconversavam, e só depois de muito tempo é
que se soube o que eles realmente fizeram em Capoeiras.
*Foto da inauguração da Prefeitura de Capoeiras, onde Heronides Borrego é o do canto esquerdo, de braços cruzados.
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